A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça negou, por unanimidade, recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra a decisão liminar que suspendeu as aulas presenciais nas escolas do RS. A vedação vigora durante a decretação de bandeira preta do Sistema de Distanciamento Controlado-RS. Participaram da sessão o Desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, relator do recurso, e os Desembargadores Eduardo Uhlein e Alexandre Mussoi Moreira.
O Desembargador Antonio Vinicius iniciou o voto fazendo referência ao fato pouco comum de terem sido protocoladas petições pelas partes já no decorrer da sessão virtual, mas que isso não interfere no julgamento. “Ao contrário, pois a maior preocupação desta Corte tem sido no sentido de acompanhar diariamente a evolução destes dados científicos de controle”.
Entrando na análise do mérito do recurso, o relator considerou que o Decreto anterior (nº 55.767/21), é a base do novo Decreto. E que a edição do Decreto nº 55.767/21 destoa da lógica das políticas sanitárias até então adotadas, já que incoerente com os critérios historicamente estabelecidos pelo próprio administrador. “Evidenciando contradição intrínseca e irrazoável entre o objetivo do ato e sua motivação, especialmente pela exposição ao risco de setores sensíveis da sociedade no momento mais grave da pandemia”, analisou. Para o julgador, a quebra na sequência motivacional torna o ato nulo.
O magistrado observou que o inegável prejuízo diante do desenvolvimento psicossocial, educacional e cognitivo das crianças não se constitui em nenhuma novidade, pois a ausência de ensino adequado vem ocorrendo desde o início da pandemia, de acordo com deliberações do próprio Governo estadual. Inclusive em situação de muito menor risco de contágio, sob bandeira vermelha, com base em avaliações constantes e reiterados decretos. Ante esse contexto, apontou medida contraditória do Governo:
“Pois ao entrarmos no período mais crítico da pandemia, com medida sanitária extrema de restrição decretada pelo Sr. Governador do Estado, reconhecida pela adoção de bandeira preta em todas suas regiões – com severos indicativos de maior agravamento -, a mesma autoridade, paradoxalmente, edita norma flexibilizando a circulação de pessoas em alto contingente numérico às escolas públicas e privadas, sob o pretexto de que os protocolos elaborados garantiriam o menor risco de contágio.”
Ressaltou não se duvidar da excelência dos protocolos, que tratam de medidas rígidas a serem observadas nas escolas. “O que se destaca é a quebra sequencial da motivação e a incoerência de seu uso somente agora, neste momento tão crítico, em que a imensa maioria das pessoas adstritas a esse chamamento excepcional teria que se submeter a todos os demais riscos decorrentes da circulação obrigatória fora das escolas e ao convívio obrigatório dentro delas.”
Embasando sua decisão, citou que decorridos mais de 50 dias da suspensão das aulas, dados recentes extraídos do site oficial do Estado (covid.saude.rs.gov.br), demonstram aumento de casos de crianças contaminadas e internadas em hospitais por COVID-19.
O Desembargador citou que a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul emitiu nota oficial firmando posição de que a retomada das aulas deve ocorrer o mais breve possível, “assim que as condições sanitárias permitirem”. Os especialistas também manifestaram sua preocupação quanto aos professores e trabalhadores envolvidos no sistema educacional.
Também reproduziu postagem recente, via Twitter, do médico infectologista Alexandre Zavascki, afirmando que “transmissão comunitária minimamente controlada é requisito fundamental para segurança escolar. Os níveis de transmissão do Brasil (RS mesmo c/ a queda está entre os estados c/ os maiores níveis) são muito acima do que é considerado alto em padrões internacionais”.
Publicação do jornal Zero Hora em 14.04.2021, pág. 19, foi ainda referida pelo Desembargador. Diz a notícia que a Fiocruz alerta para o risco de nova piora no com base em altas taxas de hospitalização, mudança na faixa etária de vítimas e em mais dados, de onde se extrai afirmação da epidemiologista e professora da UFRGS, Suzi Camey, que afirmou: “Não temos nenhuma medida, no cenário próximo, de diminuir mortalidade. Pelo contrário, atividades estão sendo abertas, há maior probabilidade de reverter a queda”.
E no mesmo sentido se posicionou o Ministério Público, em parecer da Procuradora de Justiça Susana S. da Silva: “Não se desconhece dos prejuízos que os estudantes estão tendo com a suspensão das aulas presenciais, mas ante o número de infectados, e ante o apavorante número de mortos (hoje o Brasil ultrapassou a cifra de 4000 mortos por dia), não se pode descuidar dos protocolos sanitários que exigem o máximo de cautela. Assim, o bom senso indica que seria temerário o retorno às aulas presenciais. A medida de suspensão se faz necessária para preservar vidas.”
Segundo o Desembargador Antonio Vinicius, não se desconhece que lugar de criança deve ser na escola. Tampouco se está a restringir as políticas de gestão do governo estadual, no tocante à educação, ressalvou, defendendo que a autonomia de gestão é ampla e deve estar em consonância e coerência com os dados de risco decorrentes da pandemia.
Porém, mencionou que ainda que o balizador seja a bandeira preta, não há como se negar a existência de flexibilizações já implementadas tendo em vista o abrandamento da situação dos leitos hospitalares. Mas todas as medidas devem ser coerentes com o quadro geral, explicou.
Como indicam os especialistas médicos em áreas vinculadas ao tema – pediatras e infectologistas -, o retorno das atividades escolares deve se dar com a prudência necessária que o momento exige, especialmente porque há um bem maior em jogo.
“O retorno pretendido deve se dar mediante a constatação de circunstâncias sanitárias seguras para toda a comunidade envolvida, não apenas as crianças, mas também aos pais, professores, auxiliares, atendentes, encarregados da limpeza, merendeiras, colaboradores das escolas e transportadores coletivos.”
“Não há como transigir com a vida ou com a morte. Vivemos um período notadamente de exceção, equiparável a um estado de guerra diante de um número tão elevado de mortes, o que requer medidas excepcionais com o intuito de preservar bem maior, o que não significa ignorar a existência de danos colaterais inevitáveis. Lamentavelmente essa é a realidade.”
Assim, concluiu que inalterados os elementos de convicção que levaram à concessão da liminar, votou pela manutenção da decisão.
Por fim, explicitou os efeitos do alcance da decisão, “para que seja mantida enquanto vigente a decretação de bandeira preta do Sistema de Distanciamento Controlado do RS, ou enquanto não houver outra forma de viabilizar o retorno seguro às atividades escolares, evidenciada por ato jurídico devidamente motivado.”
O Desembargador Eduardo Uhlein votou acompanhando o voto do relator, reconhecendo a independência dos Poderes, mas salientando que cabe ao Judiciário verificar legalidade dos atos do administrador. Para ele, não houve efetivamente por parte do Estado a demonstração de redução efetiva e científica de condições sanitárias para permitir retorno seguro às escolas.
A manifestação do Desembargador Alexandre Mussoi Moreira foi no mesmo sentido dos colegas de Câmara. Lamentou protesto em frente à casa da magistrada que proferiu a decisão de 1º Grau. E não vislumbrou elementos novos que autorizem o retorno, como a vacinação de professores, por exemplo.
Recursos contra nova decisão de 1º Grau
Após, o Colegiado julgou dois recursos de Agravo de Instrumento: do Ministério Publico e do próprio Estado do RS, ambos contra nova decisão da magistrada de 1º Grau, proferida no domingo, reiterando a liminar, mesmo ante os termos do novo Decreto do Estado – que estaria, por vias oblíquas, buscando alterar a extensão e eficácia da decisão.
Ambos os recursos foram negados. O relator, Desembargador Vinicius, observou que há parâmetros para definição das bandeiras e o índice balizador não foi alcançado. Os índices que impuseram a bandeira preta persistem. Por isso, aparente incoerência do novo decreto, ainda que sob cogestão.
A Ação Civil Pública foi ajuizada Pela Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD)
Proc. 5034650-46.2021.8.21.7000 Assessora-Coordenadora de imprensa: Adriana Arend | imprensa@tjrs.jus.br
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