De acordo com o governo federal, o Brasil tem hoje mais de 90% da população adulta parcialmente vacinada contra a covid-19. Com quase nove meses desde o início da vacinação contra o vírus, a imunização no país também chegou aos adolescentes. O plano de imunização, entretanto, ainda não abrange as crianças, que continuam à espera de chegar sua vez. A pergunta é: ainda vai demorar muito?
Em alguns países próximos ao Brasil a espera dos pequenos já acabou. O Chile, por exemplo, deu início à vacinação com a Coronavac em crianças entre 6 e 12 anos na primeira quinzena de setembro. A vez chegou quatro meses após a faixa etária de 12 a 17 anos, que teve permissão para vacinar com o imunizante da Pfizer em maio.
A Argentina também demonstra agilidade no plano de vacinação contra o coronavírus e já chegou à menor faixa: o governo do país anunciou, no último dia 1°, a aprovação do uso da Sinopharm, vacina chinesa, na imunização de crianças de 3 a 11 anos. Os hermanos já vacinam adolescentes de 12 a 17 anos contra o vírus com o imunizante da Moderna desde o início de agosto.
Nos Estados Unidos, a Pfizer pediu, na última quinta-feira (7/10), autorização para o uso emergencial da vacina contra a covid em crianças de 5 a 11 anos. Ao FDA, órgão regulador no país, a empresa farmacêutica assegurou que o imunizante é seguro à faixa etária. “Desde julho, casos pediátricos de covid-19 aumentaram em cerca de 240% nos Estados Unidos, enfatizando a necessidade de saúde pública de vacinação”, justificou o presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla, em comunicado à imprensa.
Em estudo divulgado em 20 de setembro, a Pfizer e a BioNTech afirmaram que a vacina teve uma boa resposta em crianças pequenas nas fases 2 e 3 do ensaio clínico feito, com resultado equivalente a pessoas de 16 a 25 anos. O estudo foi realizado com 4,5 mil crianças entre seis meses e 11 anos nos Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Espanha. Os resultados da faixa etária de seis meses até 5 anos devem ser divulgados ainda neste ano.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso da Pfizer em adolescentes acima dos 12 — com e sem comorbidade — em junho. Mas, na prática, a faixa etária só começou a ser vacinada em agosto. Até o momento, o governo federal não divulgou previsão oficial de data para vacinação em pessoas com idade menor que esta faixa etária.
O principal obstáculo, que impede a imunização de crianças daqui, é a falta de autorização, cedida pela Anvisa. Um pedido para uso da Coronavac em 3 a 17 anos foi feito pelo Instituto Butantan em agosto — entretanto, rejeitado. Segundo a reguladora, a instituição não apresentou todas as informações necessárias para o aval, que só pode ser dado mediante documentações que comprovem a eficácia e segurança do imunizante para a faixa etária.
“Os dados de imunogenicidade deixam incertezas sobre a duração da proteção conferida pelo imunizante”, informou a Anvisa em nota. O Butantan deverá submeter uma nova solicitação com mais informações à agência.
Anvisa apontou, também, que as pesquisas feitas pelo instituto científico em crianças foram realizadas com um baixo número de participantes, o que comprometeu os resultados: “Os estudos apresentados foram conduzidos com número limitado de pessoas que estatisticamente não permitem concluir sobre a segurança e eficácia específica para este grupo etário.”
E completou: “Com as informações apresentadas pelo Butantan no pedido em questão, não foi possível concluir sobre a eficácia e a segurança da vacina nessa faixa etária. Os dados de imunogenicidade deixam incertezas sobre a duração da proteção conferida pelo imunizante.”
Com os bons resultados obtidos, a expectativa é de que a Pfizer e a BioNTech também peçam autorização da Anvisa para vacinar crianças no Brasil. Entretanto, até o momento, a reguladora do país informou que nenhuma solicitação foi feita pelos laboratórios. “A Anvisa só pode iniciar sua avaliação a partir do momento em que recebe o pedido e dados obrigatórios”, ressaltou.
“A solicitação para inclusão de nova faixa etária deve ser feita pelo laboratório farmacêutico. Para isso, devem apresentar estudos e evidências científicas que sustentem a indicação em termos de segurança e eficácia para a nova faixa etária”, salientou a agência.
Para o médico infectologista do Hospital das Forças Armadas (HFA), Emerson Luiz, as chances de crianças entre 5 e 11 anos começarem a ser vacinadas no Brasil, ainda este ano, são muito baixas. Segundo o especialista, as doses estão sendo priorizadas para outros públicos no momento: “Dificilmente essa faixa etária [entre 5 e 11 anos] conseguirá ser vacinada contra o vírus em 2021. Ainda estamos utilizando a vacina da Pfizer em adolescentes, na dose de reforço, em idosos, em imunossuprimidos e em profissionais de saúde. Além daqueles que já tomaram a primeira dose e necessitam tomar a segunda — que muitos lugares estão antecipando.”
A previsão feita pelo infectologista está de acordo com a expectativa do Ministério da Saúde. Em coletiva de imprensa, na última sexta (8/10), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, informou que o órgão planeja vacinar crianças pequenas contra a covid em 2022, mas depende da autorização da Anvisa.
De acordo com o ministro, na campanha de imunização do próximo ano serão priorizadas compras da Pfizer e da Astrazeneca, já que são as únicas com aval da Anvisa para uso definitivo. A previsão é que sejam utilizadas cerca de 340 milhões de doses para todo o público brasileiro.
Ministério reforçou o discurso de Queiroga. “Dependemos da autorização da Anvisa para tomarmos providências sobre os assuntos”.
Médica intensivista atuante no hospital Santa Marta, Adele Vasconcelos ressalta que as crianças são grandes transmissores da covid-19, e que a vacinação desse público é importante para frear o avanço do vírus em todas as idades: “A questão da vacinação para crianças é uma questão epidemiológica: evitar a transmissão que ainda está muito alta. A transmissividade ainda está alta mesmo com a vacinação, então a intenção é vacinar as crianças, que são os maiores transmissores.”
Segundo a intensivista, casos de coronavírus graves em crianças são mais raros. “As crianças geralmente são assintomáticas”, afirma. Os casos existentes podem ser minimizados com os imunizantes, que, para a médica, não apresentam riscos em relação à falta de segurança. “O que precisamos melhorar ainda é o potencial que essas vacinas têm para o controle da transmissividade.”
Já a infectologista Valéria Paes, do hospital Sírio Libanês, diz ter uma expectativa muito grande para a faixa etária de 5 a 11 anos. Ela salienta que crianças pequenas têm mais dificuldade de entender a importância do cumprimento das medidas de biossegurança: “Estamos falando neste momento sobre volta às aulas e conter a disseminação do vírus, nesse contexto é muito difícil principalmente por serem crianças.” Para a médica, a imunização dos pequenos “é importante tanto para a proteção das crianças quanto para a proteção do coletivo”.
Paes também acredita que os imunizantes serão seguros para crianças com menos de 12 anos, já que foram poucos os episódios de reações graves aos imunizantes até o momento. “Mesmo nos adultos e adolescentes, os efeitos colaterais ocorreram, mas foram raros. Ocorreu uma inflamação no músculo cardíaco, a miocardite, mas, mesmo nestes casos, houve uma evolução passageira e benigna.” Para a especialista, as crianças também devem apresentar bons resultados: “Eu acredito que isso não vai atrapalhar a vacinação na faixa etária infantil. Não deixamos de vacinar os adolescentes e adultos por causa dos efeitos, os benefícios foram maiores que os riscos.”
Mesmo com a possibilidade de autorização da Anvisa para uso de imunizantes em crianças ainda este ano, a falta de doses em alguns lugares do Brasil pode ser um problema. É o que está acontecendo, por exemplo, no Distrito Federal, com a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos.
A capital brasileira, que abriu a campanha de vacinação contra a covid-19 para a faixa etária em setembro, já não tem mais estoque da Pfizer e estão sendo administradas somente doses que sobraram nas unidades de saúde. A informação foi confirmada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES/DF), em coletiva de imprensa na última quarta-feira (6/10). As regiões administrativas de Brazlândia e Ceilândia são as mais prejudicadas pela falta de imunizantes e chegaram a suspender as aplicações da primeira dose aos menores de idade.
“Não há mais vacinas da Pfizer na Rede de Frio para primeira dose do grupo de 12 a 17 anos. Entretanto, a vacinação dos adolescentes de 12 a 17 anos acontece normalmente com as doses que já foram distribuídas aos pontos de vacinação”, disse a SES/DF à reportagem. “Até o momento, não há previsão da chegada de novas doses de vacina e de vacinação para pessoas com menos de 12 anos.”
Mesmo sem doses, o DF já conseguiu imunizar parcialmente 70,5% dos adolescentes contra a covid-19. A expectativa é de que, quando começar a ser adotada, a vacinação em crianças pequenas também avance rápido. Por enquanto, a Secretaria de Saúde recomenda, tanto aos pais quanto às crianças, que realmente sigam as medidas de proteção individual já amplamente divulgadas: uso de máscara (boca e nariz), higienização frequente das mãos (água e sabão ou álcool 70%) e evitar aglomerações (distanciamento mínimo de 2m entre as pessoas).
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